Desde que descobri o texto que transcreverei abaixo, vivo dizendo que ele deveria ser entalhado em cada praça pública brasileira, tal sua utilidade. Já o citei em conversas, li para amigos e para alunos. E não canso de pensar nele nos momentos de maior alegria, tristeza, limpidez e ironia.
Cito a fonte ao final, mas já adianto que tudo o que é importante na vida chega às nossas mãos por alguém especial, ladeado por outros “alguéns” igualmente maravilhosos, os quais teimamos em fingir que foram colocados lá “ao acaso”. Como se coincidências existissem...
“(...) O arremate final do paradigma do ‘engraçado arrependido’ vem com um episódio de seu próprio criador, Monteiro Lobato. Já que tomamos seu pequeno conto de 1918 como inspiração para compreender a auto-imagem destes humoristas brasileiros da Belle Époque, é impossível não concluir com a menção a um episódio semelhante quando se propõe, pela terceira vez, desta feita no ano de 1944, o nome do próprio Lobato para a Academia Brasileira de Letras. Antes da consumação do episódio, contudo, é ele mesmo que resolve desistir da candidatura, decisão que parecia um tanto óbvia, já que era inimaginável que o escritor participasse das mesmas reuniões com um acadêmico pelo qual ele nutria um ódio explícito – Getúlio Vargas. O mais importante, contudo, para ilustrar o paradigma do ‘engraçado arrependido’, vem numa carta furibunda que Lobato escreve para [o amigo] Cassiano Ricardo, naquele mesmo ano:
Chegaram-me ao ouvido tantas intrigas a respeito da minha entrada lá, que resolvi pôr fim à situação com um coice, mas estava a mil léguas de supor que ias assim tão magoado. Não culpe o Menotti. Ele fez tudo direitinho. O ruim, o peste, sou eu só. E sabe por quê? Porque não consigo levar a sério coisa alguma nesse indecentíssimo mundo. Academia, presidente, papa, bispos, generais: tudo bonecos, sacos de tripa com muita merda por dentro e só vaidades e bobagenzinhas por fora. A humanidade: um sórdido formigueiro de trágicos pequeninos bípedes a se agitarem num planetinha dos mais vagabundos, um milhão de vezes menor que o Sol, o qual é outra pulga num sistema onde há sóis milhões de vezes maior[es] do que ele. Tudo pulga e pulgões. Tudo zero. Tudo nada. E tudo vaidade das vaidades. O Eclesiastes está certo – é a única coisa certa no mundo – a única coisa decente que o bichinho homem jamais escreveu. Tudo é vaidade e aflição de espírito (...) Você está errado. Toma a sério demais coisas e bichos que não merecem ser tomados a sério. Toma a sério um planeta que no nosso próprio sistema planetário não passa duma isca de pó. Abra um livro de Astronomia e envergonhe-se de fazer parte do rebanho de pulgões que parasita esta isca de pó. Imortais, imortalidade, latas, instituições, reis, presidentes, Getúlio, Armando, Churchill, Stalin, Hitler, tutti quanti: pulguinhas magras convencidas de que são gordas. Literatura: bichinhos dizendo o que pensam de outros bichinhos. Tudo bicharia. Bicheira. Tudo bobagem. Ponha o Eclesiastes em teu criado-mudo e faça dele teu livro de cabeceira – e ria-se comigo do sórdido rebanho que rola às cegas para o abismo da morte, um a falar mal do outro, um a aporrinhar o outro, a roubar o outro, a enganar o outro, a disputar latas vazias, etc. etc.
Mude de ponto de vista e sararás – e rirás do que agora te faz sofrer. Dispa as grandes gentes e veja como são grotescas. Ponha o papa nu, de cuecas, com a piroquinha murcha pendurada e veja se há uma beata que tenha coragem de lhe beijar o pé chupelento. Tome o figurão mais importante aí do Rio e veja-o no banheiro, de cócoras na ‘Pescada’, peidando – botando para fora os resíduos fedorentos do que comeu no [Bar] Brama. E vai você aborrecer-se por causa deste cagão?
Vanitas vanitatem. Tudo é vaidade e aflição de espírito. Distribua um cacho de bananas para os imortais que te aporrinharem por causa do Lobato e ria-se, e vá lavar a alma com um chope no Simpatia. Tome um por você e outro por mim – dos grandes. E ria-se, ria-se, pois só o riso nos salva.”
(Excertos extraídos de: SALIBA, Elias Thomé. – Raízes do Riso: a representação humorística na história brasileira – da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. – São Paulo: Companhia das Letras, 2002. – pp. 147-148).
Cada um de nós... Somos tão pequenos, não?! Por vezes, quando me dou conta da minha insignificância do ponto de vista cosmológico – paradoxalmente – percebo profundamente, na mesma medida, o quão grandioso sou como parte de um Universo pleno de possibilidades maravilhosa e propositalmente insignificantes... Vale, do fundo do coração, a frase célebre de Pitágoras, outra daquelas que merecia impressão com destaque em praça pública: “O limitado dá forma ao ilimitado”.