segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Rir

Desde que descobri o texto que transcreverei abaixo, vivo dizendo que ele deveria ser entalhado em cada praça pública brasileira, tal sua utilidade. o citei em conversas, li para amigos e para alunos. E não canso de pensar nele nos momentos de maior alegria, tristeza, limpidez e ironia.


Cito a
fonte ao final, mas adianto que tudo o que é importante na vida chega às nossas mãos por alguém especial, ladeado por outrosalguénsigualmente maravilhosos, os quais teimamos em fingir que foram colocados “ao acaso”. Como se coincidências existissem...

“(...) O arremate final do paradigma do ‘engraçado arrependido’ vem com um episódio de seu próprio criador, Monteiro Lobato. que tomamos seu pequeno conto de 1918 como inspiração para compreender a auto-imagem destes humoristas brasileiros da Belle Époque, é impossível não concluir com a menção a um episódio semelhante quando se propõe, pela terceira vez, desta feita no ano de 1944, o nome do próprio Lobato para a Academia Brasileira de Letras. Antes da consumação do episódio, contudo, é ele mesmo que resolve desistir da candidatura, decisão que parecia um tanto óbvia, que era inimaginável que o escritor participasse das mesmas reuniões com um acadêmico pelo qual ele nutria um ódio explícito – Getúlio Vargas. O mais importante, contudo, para ilustrar o paradigma do ‘engraçado arrependido’, vem numa carta furibunda que Lobato escreve para [o amigo] Cassiano Ricardo, naquele mesmo ano:


Chegaram-me ao ouvido tantas intrigas a respeito da minha entrada , que resolvi pôr fim à situação com um coice, mas estava a mil léguas de supor que ias assim tão magoado. Não culpe o Menotti. Ele fez tudo direitinho. O ruim, o peste, sou eu . E sabe por quê? Porque não consigo levar a sério coisa alguma nesse indecentíssimo mundo. Academia, presidente, papa, bispos, generais: tudo bonecos, sacos de tripa com muita merda por dentro e vaidades e bobagenzinhas por fora. A humanidade: um sórdido formigueiro de trágicos pequeninos bípedes a se agitarem num planetinha dos mais vagabundos, um milhão de vezes menor que o Sol, o qual é outra pulga num sistema onde há sóis milhões de vezes maior[es] do que ele. Tudo pulga e pulgões. Tudo zero. Tudo nada. E tudo vaidade das vaidades. O Eclesiastes está certo – é a única coisa certa no mundo – a única coisa decente que o bichinho homem jamais escreveu. Tudo é vaidade e aflição de espírito (...) Você está errado. Toma a sério demais coisas e bichos que não merecem ser tomados a sério. Toma a sério um planeta que no nosso próprio sistema planetário não passa duma isca de . Abra um livro de Astronomia e envergonhe-se de fazer parte do rebanho de pulgões que parasita esta isca de . Imortais, imortalidade, latas, instituições, reis, presidentes, Getúlio, Armando, Churchill, Stalin, Hitler, tutti quanti: pulguinhas magras convencidas de que são gordas. Literatura: bichinhos dizendo o que pensam de outros bichinhos. Tudo bicharia. Bicheira. Tudo bobagem. Ponha o Eclesiastes em teu criado-mudo e faça dele teu livro de cabeceira – e ria-se comigo do sórdido rebanho que rola às cegas para o abismo da morte, um a falar mal do outro, um a aporrinhar o outro, a roubar o outro, a enganar o outro, a disputar latas vazias, etc. etc.

Mude de ponto de vista e sararás – e rirás do que agora te faz sofrer. Dispa as grandes gentes e veja como são grotescas. Ponha o papa nu, de cuecas, com a piroquinha murcha pendurada e veja se há uma beata que tenha coragem de lhe beijar o chupelento. Tome o figurão mais importante do Rio e veja-o no banheiro, de cócoras na ‘Pescada’, peidando – botando para fora os resíduos fedorentos do que comeu no [Bar] Brama. E vai você aborrecer-se por causa deste cagão?

Vanitas vanitatem. Tudo é vaidade e aflição de espírito. Distribua um cacho de bananas para os imortais que te aporrinharem por causa do Lobato e ria-se, e vá lavar a alma com um chope no Simpatia. Tome um por você e outro por mim – dos grandes. E ria-se, ria-se, pois o riso nos salva.”

(Excertos extraídos de: SALIBA, Elias Thomé. – Raízes do Riso: a representação humorística na história brasileira – da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio.São Paulo: Companhia das Letras, 2002. – pp. 147-148).

Cada um de nós... Somos tão pequenos, não?! Por vezes, quando me dou conta da minha insignificância do ponto de vista cosmológico – paradoxalmente – percebo profundamente, na mesma medida, o quão grandioso sou como parte de um Universo pleno de possibilidades maravilhosa e propositalmente insignificantes... Vale, do fundo do coração, a frase célebre de Pitágoras, outra daquelas que merecia impressão com destaque em praça pública: “O limitado dá forma ao ilimitado”.

2 comentários:

Nina Anderson disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Adorei o post, Johnny! E o seu blog também! É uma delícia ler você! Você podia nos dar uma canjinha da leitura domingo na Fer, não? Beijocas e muitas saudades, Thais