Há muito tempo eu não sonhava com a saudade. O leitor sabe do que eu estou falando? É o sonho com algo que não podemos ter, e que mesmo assim – paradoxalmente – nos desperta nostalgia, como se por todo o sempre estivesse presente...
Quando se descreve um sonho, existe uma regra: não espere muita coerência, pois o Universo é maior do que a Razão. Espere menos ainda das interpretações e conclusões: a realidade é um chicote e o pensamento um cavalo cego...
Sonhei com minha família. Minha mãe, meu pai e irmãos. Deixei Jundiaí há sete anos. No sonho, eu tinha uma bicicleta verde-clara, uma emulação da Freestyle da Caloi que eu tinha quando criança, mas agora numa versão Mountain Bike, talvez para que o meu eu atual nela coubesse. Eu estava em Jundiaí, vindo de São Paulo, e ia para casa, almoçar com o povo num domingo. Na rua, em frente de casa, encontrei meu pai; ele ensinava um menino que eu não identifiquei (e ao qual não dei muita atenção) a andar de bicicleta. Desci da minha, e nos cumprimentamos: como de hábito, um abraço breve, daqueles em que os envolvidos parecem se encontrar rotineiramente. Entrei pelo portão, e minha mãe me esperava com mil e uma palavras a dizer, todas elas com aquela cara de “você devia aparecer mais”. Interrompi antes de ser terminada a primeira frase, e a abracei longa e intensamente, como se não nos víssemos tanto quanto gostaríamos. No sonho, o abraço durou muito tempo, e minha culpa deixou de ser um problema. Meus irmãos estavam lá, e cumprimentei a todos com divertida versatilidade: a Júlia, com trajes indianos característicos, mereceu um abraço longo e delicado, por meio do qual uma energia intensa, violeta, quase roxa, circulou, para além das palavras. Ainda vamos nos reencontrar – Júlia e eu – e contar um pro outro os motivos de estarmos por aqui. A Ana mereceu outro abraço, agora longo e forte, caloroso, e eu sabia que ela e uma outra pessoa de nome muito parecido – a diferença está em algum lugar entre um “n” e um “d” – estava lá com ela. Sempre vi a Ana como veículo de uma energia muito bonita, e acho que agora começo a entender isso um pouco mais. Eu queria mesmo era ver o Victor, mas ele não estava em casa: eu o encontrei no alto da rua, os dois de bicicleta. Ele me olhava com o mesmo olhar de quando éramos crianças: até hoje eu me pergunto – o que ele pensava quando via o irmão naquela bicicleta verde? Desci da bicicleta, e nos abraçamos também longamente, mas com uma intensidade gigantesca, maior do que o Oceano (estou chorando só de lembrar, e as teclas estão embaçadas). Eu o abraçava, mas ele também trazia consigo alguém mais, ou algo mais...
Ao acordar, eu me perguntava obsessivamente sobre quem era aquela pessoa fundida ao meu irmão. O sonho prosseguiu depois, com eventos bizarros e desventuras em série, além de final grotesco... mas eu ainda continuava a me perguntar sobre o que tinha ocorrido quando abracei meu irmão no alto da rua. A primeira frase deste texto não saiu da minha cabeça desde que acordei e acho que ela está diretamente relacionada com esse último abraço. Depois de muito pensar, acho que cheguei numa boa interpretação. Nos últimos tempos, sinto que estou me despedindo de uma versão de mim mesmo para encontrar outra, que me espera ansiosa aqui dentro. Tenho recebido vários avisos há anos, além de cada vez mais sentir a tempestade chegando. Quando tememos o que podemos nos tornar estamos no caminho certo? Quando seus amigos olham com estranheza estamos falhando? Quem tem medo de ser infinito? Eu tenho...
Ao abraçar meu irmão, eu também abracei a mim mesmo, talvez pela primeira vez. Abracei uma versão atemporal de mim mesmo, abracei quem eu gostaria de ser, quem eu sei que posso e devo me tornar e também um menino que há muito tempo anda de bicicleta verde, mas em outra cidade, em outra época. Ao acordar, eu estava feliz: olhei pras minhas pernas e passei as mãos pelos cabelos – estariam as pernas sujas da terra vermelha cheirosa que tínhamos perto de casa? Estariam meus cabelos compridos a ponto de eu poder penteá-los? Quer saber? Estavam. Sempre estiveram...
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Hoje é aniversário do meu avô. Eu amo e admiro aquele homem com todas as minhas forças. Ele vai almoçar lá em casa. Vou ligar lá daqui a pouco, quando terminar de escrever. Eu não estarei lá por causa do trabalho acumulado. O trabalho não é demais; eu é que sou desorganizado. Eu me conheço: já me puno o suficiente por causa desses deslizes. Depois perguntam porque as pessoas sonham. Saudades de si ou dos outros. Saudades, ora!
Um comentário:
Muito lindo, João! Emocionante!!!
Eu adoro sonhos, parecem presentes vindos desse infinito!
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