segunda-feira, 7 de maio de 2007

Beleza

Ontem tive um dia maravilhoso. Acordei bem cedo para um domingo, e o que me despertou foi o sol que se espreguiçava à janela aberta desde a noite anterior. Pensei em como queria que o dia fosse bom e tranqüilo, pois eu estava precisando muito. Nem todos podem perceber na superfície, mas estou passando pela maior crise interna da minha vida inteira. Sei que ela é necessária, e quero vivê-la, mas por vezes me canso muito. Ando descobrindo que escrever uma dissertação é uma questão mais existencial do que propriamente acadêmica. Se meu orientador lesse essas linhas, ele com razão diria que estou tergiversando. E eu gostaria de poder dizer a ele que todas as coisas nas quais me envolvo são experimentadas profundamente, ganhando de imediato uma dimensão experimental, existencial, densa. Agradeço a ele por me servir de fio-terra, uma tarefa nada fácil quando se trata de alguém como eu...


Bem, voltando ao dia de ontem. Consagrei a primeira parte dele a pôr ordem nas coisas, “arrumar a casa”. Depois do meio-dia, tive uma tarde de sonho: há muito tempo eu não ficava à toa, debaixo de uma árvore, fruindo a beleza de um dia lindo. O tempo passou muito devagar, e eu sabia disso mesmo sem contá-lo. Refleti sobre muitas coisas, mas o mais importante era o que eu estava sentindo. Pensei em pôr a culpa na Lua Cheia que, dizem, exacerba a Natureza como um todo; pensei em pôr a culpa nos astros ou nos números, ou mesmo em minha natureza passional. No entanto, ao me concentrar, me lembrei de que todos somos o resultado do acúmulo de nossas experiências, e nem sempre conseguimos reunir as experiências certas para compor o dia-a-dia da melhor maneira. Vi a mim mesmo como uma árvore, cada ramo recebendo luz e sombra de uma maneira única, uma constelação de ramificações-possibilidades alimentando o conjunto, ramos que à medida que se ampliam e se libertam, se distanciam de sua origem. Em uma tarde singela, debaixo de uma árvore, uma pessoa muito querida – sem o saber – me lembrou de que gosto de mim mesmo, e de que não preciso brigar com minha natureza. Simples assim.


Não sei o que isso parece. Sei o que sinto. Me veio agora à cabeça uma frase de que gosto muito. Em certa altura de “Beleza Americana”, a personagem Rick Fitts fala para a garota pela qual está apaixonado (mais ou menos assim): “Há tanta beleza no mundo, que às vezes acho que meu coração vai se encher dela e estourar como um balão”.


Ando experimentando dois aspectos inauditos da Beleza: a simplicidade e a confusão. Estou feliz, e torcendo para que minha vida me permita viver isso tudo, mesmo que não seja agora. Para compensar, gosto de acreditar que o tempo está ao meu lado. O historiador desconfia disso, acha bobagem, sente-se culpado, sente carregar o fardo do Conhecimento, brada aos quatro ventos: “a ignorância é um luxo de que não disponho”! Mas os outros dentro de mim estão tentando convencê-lo, acalmá-lo, dizer a ele que a vida não pára, e que ele deve ser mais tolerante para com a Beleza, pois ela está escondida atrás de cada árvore, de cada uma das muitas batidas nas asas de um inseto, de cada frase a ser corrigida.


Quanta beleza há numa tarde debaixo de uma árvore? Cada um pode dar sua medida. No meu caso, ao mesmo tempo que me abro para o céu, estou indissoluvelmente ligado à terra. E me lembro de que não saí de lá ainda. E que não estou sozinho. Que bom!

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